quinta-feira, 5 de junho de 2025

quinta-feira, 29 de maio de 2025

ATO NACIONAL CONTRA O PL DA DEVASTAÇÃO * Rede Converge Brasil

ATO NACIONAL CONTRA O PL DA DEVASTAÇÃO

O Brasil está diante de um dos maiores retrocessos ambientais da sua história! O *PL 2159/2021*, conhecido como *PL da Devastação*, quer desmontar a política ambiental, flexibilizar o licenciamento e abrir caminho para mais destruição dos nossos biomas e violações aos direitos dos povos e comunidades tradicionais.
Isso não é só uma pauta ambiental: é uma questão de *justiça social, ambiental e climática*! É um ultraje contra a vida, contra os territórios, contra o futuro!

Por isso, chamamos todos os *coletivos, organizações, movimentos e defensores da vida* a se somarem aos *ATO NACIONAL CONTRA O PL DA DEVASTAÇÃO* que acontecerão por todo o Brasil à partir do dia *1º de junho*!

É hora de unirmos forças, de fazer ecoar um grito coletivo:
*NÃO AO PL DA DEVASTAÇÃO!*
*EM DEFESA DA VIDA E DO FUTURO!*

PL DA DEVASTAÇÃO 2159/2021

O Projeto de Lei 2159/2021 foi aprovado na Comissão do Meio Ambiente do Senado, e pode ir a plenário a qualquer momento. Se esse PL for aprovado, irá causar consequências desastrosas, o objetivo dele é acabar com o licenciamento ambiental. Esse PL pretende liberar vário empreendimentos sem avaliar qualquer tipo de impacto ambiental.

Pois é, obras com grandes riscos ambientais, como barragens, estradas, portos, poderão ser instaladas sem uma avaliação adequada, porque o PL cria a figura de licenciamento auto declaratório, ou seja, o próprio empregador é quem diz que seu projeto não causará nenhum impacto. Tudo isso sem fiscalização prévia, sem audiência pública, sem consultar ninguém. 

O projeto simplesmente limita o poder dos órgãos ambientais e também reduz os prazos pra análises técnicas, e se o órgão não responder a tempo, a licença é liberada automaticamente, assim será a lei.
Estamos falando da água que bebemos, das florestas que protegem o clima, do direito à vida das comunidades.
POR QUE AGRIDEM MARINA SILVA

Me acusam de impedir o desenvolvimento do país ao ser contra a destruição da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, conforme proposto no PL 2.159/2021.

A lei é um instrumento importante para a proteção dos nossos biomas e para o combate à mudança do clima.

*Não sou contra atualização de nenhuma lei* , nem dessa. *Mas precisamos debater com profundidade* e qualidade para não usar a necessidade de atualização como desculpa para se acabar com regramentos ambientais essenciais para o país e que, inclusive, asseguram nosso prestígio como produtores de alimentos e balizam vários acordos comerciais.

_Marina Silva_

CARTA ABERTA AO PRESIDENTE LULA SOBRE O GENOCÍDIO DO POVO PALESTINO * Frente Revolucionária dos Trabalhadores/FRT

CARTA ABERTA AO PRESIDENTE LULA SOBRE O GENOCÍDIO DO POVO PALESTINO

segunda-feira, 26 de maio de 2025

FORA AMIZADE BRASIL/ISRAEL * Frente Revolucionária dos Trabalhadores/FRT

Carta à Presidência da República: pelo veto ao PL que cria o dia da "amizade Brasil-Israel".
À Presidência da República do Brasil.

Os signatários deste documento – docentes, estudantes, pesquisadores e servidores técnicos-administrativos de universidades públicas e privadas brasileiras –, apoiam, irrestritamente, o consistente e oportuno artigo do prof. Paulo Sérgio Pinheiro Repúdio à celebração oficial da “amizade Brasil-Israel”.

Lúcidas e irretocáveis são as palavras que abrem o texto:
“É com profunda indignação que manifestamos nosso repúdio à decisão do Senado Federal brasileiro, que, por unanimidade, declarou o dia 12 de abril como data oficial de celebração da “amizade Brasil-Israel”. Trata-se de um gesto inaceitável, de insensibilidade extrema, especialmente num momento em que o Estado de Israel intensifica uma campanha sistemática de extermínio contra a população palestina na Faixa de Gaza. É ainda mais lamentável que parlamentares de partidos comprometidos historicamente com os direitos humanos e com a autodeterminação dos povos tenham eventualmente endossado essa decisão vergonhosa.”

Tendo em vista que a “decisão vergonhosa” ainda não foi concretizada, impõe-se à Rede Universitária de solidariedade ao povo palestino posicionar-se sobre o lamentável episódio.

A expectativa da comunidade acadêmica brasileira, aqui representada pela REDE, é a de que o atual governo brasileiro - que não tem hesitado em denunciar o genocídio, o apartheid e a "limpeza étnica" impostos ao povo palestino – não aceite ser cúmplice com a aviltante decisão do Senado.

Ao deixar de sancionar o PL 5.636/2019, o executivo federal será consequente com os valores e princípios da política externa brasileira vigentes em períodos não-autoritários - entre eles, a defesa da soberania e autonomia dos Estados, o compromisso com a paz e a solidariedade aos povos e nações oprimidas de todo o mundo.

Rede Universitária de solidariedade ao povo palestino
Maio de 2025
FORA AMIZADE BRASIL/ISRAEL
Dia da Amizade Brasil-Israel O Senado brasileiro aprovou por unanimidade a criação do Dia da Amizade Brasil-Israel, a ser comemorado todo dia 12 de abril. A iniciativa contou com o apoio, inclusive, do Partido dos Trabalhadores (PT), ao qual Lula pertence. O líder do PT no Senado, Rogério Carvalho, explicou que o voto favorável não representa apoio ao atual governo israelense , mas sim às relações diplomáticas com o povo israelense. Eles reafirmaram que o PT continua defendendo um Estado palestino soberano. Durante seu primeiro mandato, Lula manteve boas relações com Israel e foi até o primeiro presidente brasileiro em exercício a visitá-lo (2010), assinando acordos em ciência e comércio. Entretanto, durante seu mandato atual, as relações ficaram tensas. Em 2024, Lula comparou as ações israelenses em Gaza ao Holocausto, levando Israel a declará-lo persona non grata até que ele peça desculpas. No entanto, Lula condenou os ataques do Hamas e pediu um cessar-fogo e proteção aos civis.
ANA QTELA/TELEGRAM

quinta-feira, 22 de maio de 2025

LULA JOGA A SAÚDE PÚBLICA NO LIXO * Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde/Fórum de Saúde do Rio de Janeiro

LULA JOGA A SAÚDE PÚBLICA NO LIXO

No dia 27/05 haverá o Pleno Extraordinário do Conselho Estadual de Saúde, para discutir a Privatização do INCA através do Grupo Hospitalar Conceição.

A partir das 10:00h

Auditório da Secretaria de Estado de Saúde (Rua Barão de Itapagibe, 225 - Rio Comprido)

Importante a participação dos servidores e usuários do INCA e demais Institutos Federais!

Vamos também aproveitar a ocasião para fazer o debate geral da Reestruturação dos Hospitais Federais, do fechamento do Hospital Universitário Gafree Guinle e sua unificação com o Hospital Federal dos Servidores do Estado, bem como o fechamento do Hospital Federal da Lagoa.
*

sábado, 17 de maio de 2025

REFORMA AGRÁRIA EM CUBA * Associação Nacional de Pequenos Agricultores/Cuba

REFORMA AGRÁRIA EM CUBA
A Associação Nacional de Pequenos Agricultores (ANAP) trabalha para promover, diversificar e aumentar a produção agrícola em Cuba, o que é uma prioridade na agenda do governo para reverter a difícil situação econômica atual.

Essa foi uma das declarações do presidente nacional da ANAP, Félix Duarte, ao apresentar o relatório sobre o trabalho dos associados nos últimos anos, na abertura do 13º Congresso da entidade.

A produção de alimentos foi um tópico central no Comitê de Assuntos Econômicos do conclave, um dos três comitês criados para discutir as principais questões de interesse e inquietação dos membros.

Segundo relatos, as colheitas de raízes, vegetais e grãos não estão atendendo à demanda da população, mas os esforços de recuperação e a busca por alternativas para aumentar a produtividade continuam, dada a escassez de combustível, fertilizantes e outros recursos.

Vários delegados relataram que, em resposta às dificuldades, estão mudando práticas e, entre outras opções, promovendo o plantio de raízes, vegetais e grãos para, antes de tudo, abastecer as comunidades onde vivem.

Eles também incentivaram as pessoas a explorar a terra de forma mais eficiente e aproveitar os escassos recursos disponíveis.

Em particular, várias áreas da ilha estão promovendo estratégias para restaurar o plantio, a produção e o comércio de arroz, feijão e milho.

A produção de leite, carne bovina, suína, pequenos animais e peixes também são priorizados, utilizando recursos locais e um esforço para reduzir as importações.

Para atingir esses objetivos, a Associação incentiva a aplicação da ciência, tecnologia, inovação e agroecologia, além de promover a implementação de programas de fomento ao desenvolvimento agrícola.

Por outro lado, houve consenso de que o bloqueio econômico do governo dos EUA dificulta o crescimento agrícola e pecuário do país, mas não é desculpa para ineficiências associadas a problemas organizacionais e à falta de uso generalizado de experiências frutíferas.

Além das questões econômicas, outras comissões analisam o fortalecimento estrutural da ANAP, bem como sua atuação política e ideológica, com ênfase no trabalho com os jovens.

O evento termina amanhã no Centro de Convenções de Havana sob o lema "Fortalecidos, Unidos e Produtivos".

O Congresso contou com a presença de 397 agricultores representando todas as categorias de membros da organização: usufrutuários, proprietários, arrendatários e famílias camponesas.

Nesta sexta-feira, também estão previstas a aprovação dos novos estatutos da organização e a eleição do Comitê Nacional da organização.

Amanhã, 17 de maio, Dia do Agricultor, que comemora a assinatura da Primeira Lei da Reforma Agrária, o relatório do evento será discutido em plenário.

Pequenos produtores e cooperativas administram 45% das terras aráveis ​​de Cuba; No entanto, eles geram de 70 a 80 por cento da produção que impacta a economia cubana e diretamente a nutrição da população.

sexta-feira, 16 de maio de 2025

Ditadura Civil – Militar na Favela do Moinho na Cidade de São Paulo * Liga Comunista Brasileira/LCB

Ditadura Civil – Militar na Favela do Moinho na Cidade de São Paulo

A favela do Moinho é denominada como a última no centro velho de São Paulo. Seus moradores, em sua maioria pessoas pobres e trabalhadoras, vivem a mais de 30 anos no local, na região do velho Campos Elísios. Muitos desses são trabalhadores em situação de subemprego, informalidade e vivendo da baixa renda e ajuda coletiva entre os próprios moradores.

O Governo Federal em gestões passadas acordou que o terreno da União fosse cedido para fazer um parque no local, em troca do remanejamento cuidadoso da população para apartamentos da CDHU. No entanto, a CDHU tem entregado cada vez menos unidades habitacionais populares — muitas delas pequenas, inadequadas e distantes do centro. Isso desconsidera o fato de que os moradores da Favela do Moinho possuem, há décadas, suas vidas organizadas na região central, onde mantêm laços familiares, atividades econômicas e meios de sobrevivência.

Há tempos, o plano diretor tem São Paulo tem sido descumprido, ações que possibilitem a moradia social digna tem sido escanteadas de forma que a população é sempre deslocada cada vez mais às periferias e longe do centro. A tentativa de remover a “última favela do centro” com violência é apenas uma demonstração do caráter higienista da política de habitação no estado de São Paulo.

Em ação autoritária e sem cumprir com a contrapartida da moradia social o Desgoverno ditador de Tarcísio de Freitas resolveu expulsar os moradores da favela, para tomar posse do terreno, com o uso da força policial sob o comando do secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, cuja postura tem sido comparada à de um "carniceiro", ao liberar a repressão contra a população, com argumento que a favela fornece drogas para Cracolândia, generalizando um problema que está em toda cidade e não somente no centro.

O governo Federal emitiu nota solicitando paralização do processo de cessão do terreno, mas a ditadura de Tarcísio resolveu tomar o terreno na marra e expulsar os moradores.

Além de denunciarmos a Ditadura de Tarcísio, é necessário o Governo Federal sair da apatia de enviar apenas uma nota para imprensa, sair da apatia imposta pela Frente Ampla e aceita passivamente.

É preciso que o Ministério da Cidades/Governo Federal rompa com a apatia da Frente Ampla e atue na questão e faça cumprir o acordo feito com a CDHU nesse 15 de maio, pois o que a tirania de Tarcísio está fazendo nesse momento é além de tudo tentativa de roubo de um terreno da União.

Não a desapropriação na favela do Moinho, chega de repressão!

- Liga Comunista Brasileira - Núcleo Grande São Paulo.

terça-feira, 13 de maio de 2025

CARTA AOS BISPOS DO BRASIL SOBRE A ESCRAVIDÃO * PAPA LEÃO XIII

CARTA AOS BISPOS DO BRASIL SOBRE A ESCRAVIDÃO
Encíclica escrita pelo Santo Padre

Leão XIII

aos Bispos do Brasil

sobre a escravidão (5-5-1888)

Legionário, N° 296, 15 de Maio de 1938, págs. 1, 4 e 7


Nem todos conhecem a magnífica Carta Encíclica (de 5-5-1888) escrita por Sua Santidade o Papa Leão XIII aos Bispos do Brasil sobre a escravatura. – Os historiadores silenciam lamentavelmente o grande papel do imortal Pontífice na abolição. – Transcrevemos abaixo o documento em questão, como a melhor das homenagens que possa um jornal católico prestar à passagem do cinquentenário da Abolição

Aos Nossos Veneráveis Irmãos Bispos Do Brasil

LEÃO XIII, PAPA

Veneráveis Irmãos, Saúde e benção apostólica

Dentre os muitos e grandes testemunhos de piedade, que quase todos os povos Nos manifestaram e continuam a manifestar, felicitando-Nos por motivo de Nosso qüinquagésimo aniversário de sacerdócio, há um que particularmente Nos comove, e é o que Nos veio do Brasil, que por ocasião daquele feliz acontecimento, legalmente concedeu a liberdade a um grande número dos que ainda gemiam sob o jugo da escravidão nos dilatados domínios daquele Império.

Uma obra de tal magnitude, formada pelo espírito de caridade cristã e filha do zelo de varões e matronas, animados da mesma virtude e em união com o clero, foi oferecida a Deus, supremo autor e distribuidor de todos os bens, em testemunho de reconhecimento pela mercê, que tão benignamente Nos concedeu de atingirmos são e salvo a idade de Nosso ano jubilar.

Isto foi-Nos sobremodo agradável e consolador, e mais que tudo porque logramos ver a confirmação duma tão feliz notícia, a de que os brasileiros queriam abolir desde já e extirpar completamente a barbárie da escravidão. A vontade do povo foi secundada pelo zelo desvelado do Imperador e de sua augusta filha, bem como pelos que dirigem a pública administração, havendo para isso promulgado e sancionado leis adequadas. Manifestamos a alegria que sentimos, especialmente quando, em Janeiro passado, declaramos ao enviado do augusto Imperador, que Nós mesmo escreveríamos aos Bispos do Brasil recomendando-lhes a causa dos míseros escravos (por ocasião de Nosso jubileu... Nós desejamos dar “ao Brasil um testemunho particular do Nosso paternal afeto com referência à emancipação dos escravos”. Resposta à mensagem do ministro do Brasil, Souza Correia).

Somos em verdade o Vigário de Cristo, Filho de Deus, que a tal extremo amou o gênero humano, que não só não se dignou fazendo-se Homem, habitar entre nós, senão que também, comprazendo-se em chamar-se Filho do homem, claramente protestou que se abatera à nossa condição a fim de anunciar aos cativos a sua libertação (Is. LVI, I, Luc. IV 19.) a fim de que, quebrando as algemas da escravidão que oprimiam o gênero humano, isto é, as algemas do pecado, restaurasse todas as coisas nos céus e na terra (Ef. 1, 10) deste modo restabelecesse na prístina dignidade toda a descendência de Adão contaminada pelo pecado original.

Oportuníssimamente disse a este respeito São Gregório Magno: Pois que o nosso Redentor, criador de todas as coisas, determinou livremente em sua misericórdia, assumir a natureza humana a fim de que, pela graça da sua divindade, esmigalhada a cadeia que nos prendia à escravidão, fossemos restituídos à prístina liberdade, é por sem dúvida obra mui salutar o restituir à liberdade os que tendo nascido livres por natureza o direito das gentes tornou escravos (Lib VI, ep. 12).

Convém, pois, e muito se compadece com a índole de Nosso Magistério apostólico, fomentar e promover poderosamente tudo o que pode assegurar aos homens, quer individual, quer coletivamente considerados, os auxílios adaptados ao alívio de suas inumeráveis misérias que provieram, como fruto de uma àrvore corrompida, do pecado dos nossos primeiros pais; e estes auxílios, quaisquer que sejam, não somente influem eficazmente na civilização, mas também conduzem convenientemente a essa restauração integral de todas as coisas, que foi o ideal de Jesus Cristo Redentor dos homens.

Ora, dentre tantas misérias aparece uma bem digna de ser vivamente deplorada, a da escravatura a que há tantos séculos está sujeita uma grande parte da família humana, gemendo na dôr e na abjeção em menosprezo do estatuído primitivamente por Deus e pela natureza. E de fato, decretara o supremo autor de todas as coisas que o homem tivesse um como domínio real sobre todos os animais da terra, peixes do mar e aves do céu, e não que os homens exercessem domínio sobre os seus semelhantes.

Criando o homem racional, diz Santo Agostinho, Deus criou-o à sua imagem, e quis que fosse senhor apenas das criaturas irracionais, de modo que o homem exercesse domínio não sobre os homens, mas sobre os animais (Gen. I, 26).

De onde se conclui que o estado de escravidão de direito foi imposto ao homem pecador, e por isso é que nas Escrituras não encontramos a palavra escravos antes que o justo Noé vindicasse com tal palavra o pecado do filho. É pois proveniente este nome, não da natureza, mas do pecado (Gen. 1, 25, Noé c. XXX). Do contágio do primeiro pecado se derivam todos os males, e, sobretudo, essa perversidade monstruosa, em virtude da qual homens houve que, esquecidos da fraternidade original e desprezando os ditames da razão natural, não só não observaram entre si o mútuo amor e a mútua benevolência, senão que também, arrastados pela ambição, começaram a ter os outros na conta de inferiores a si, e por isso a tratá-los como animais nascidos para o jugo. Deste modo, não tendo em consideração alguma a identidade da natureza, a dignidade humana, a imagem divina impressa no homem, sucedeu que, graças às questões e guerras que ao depois estalaram, os vencedores escravizassem os vencidos, e a multidão, ainda que da mesma raça, se dividisse gradualmente em indivíduos de duas categorias distintas, a saber: os escravos vencidos sujeitos ao domínio dos vencedores seus senhores.

A escravidão no mundo antigo

Deste lutuoso espetáculo é testemunha a história antiga até ao advento do Redentor; a escravatura propagou-se em todos os povos, e tão reduzido era o número dos homens livres que um poeta chegou a pôr nos lábios de César esta atrocidade: O gênero humano vive para poucos (Lucan. Phars. V, 343).

A escravatura estava em vigor nas nações mais civilizadas, entre os gregos e romanos, onde a dominação dum pequeno número se impunha à multidão, e esta dominação era exercida com tanta perversidade e orgulho, que as turbas de escravos eram considerados como bens, não como pessoas, como coisas desprovidas de todo o direito e até da faculdade de conservar a vida.

Os escravos vivem sob o poder dos senhores, este poder emana do direito das gentes; em quase todas as nações vemos, com efeito, que os senhores tem direito de vida e de morte sobre os escravos, e tudo o que estes adquirem, adquirem-no para os seus senhores (Justinian, Inst. I. I, tit. 8, n. 1).

Deste transtorno moral seguiu-se que era lícito aos senhores permutar, pública e impunemente, legá-los como herança, matá-los, abusar deles para satisfação das suas paixões e da sua cruel superstição.

Ainda mais, os que entre os gentios tinham a reputação de sábios, filósofos insignes, jurisconsultos doutíssimos trataram de se persuadir a si mesmo e de persuadirem a outros, por um supremo ultraje ao senso comum, que a escravatura nada mais é do que a condição necessária da natureza; e não se envergonharam de ensinar que a raça dos escravos era muito inferior em aptidões intelectuais e em beleza física à raça dos homens livres; que era necessário, por isso, que os escravos, instrumentos desprovidos de razão e de sabedoria, estivessem em tudo sujeitos à vontade de seus senhores.

Esta doutrina desumana e iníqua é altamente detestável, e tal que uma vez admitida não há opressão, por infame e bárbara que seja, que não possa impudentemente sustentar-se com uma certa aparência de legalidade e de direito.

A história abunda em exemplos de grande número de crimes e de perniciosos flagelos que a escravatura trouxe às nações; excitou-se o ódio no coração dos escravos, e os senhores viram-se reduzidos a viverem em apreensões e receios contínuos; aqueles preparavam os fachos incendiários do seu furor, estes exacerbavam as suas crueldades; os Estados viam-se abalados e expostos a todos os momentos à ruína pelo número de uns e pela força dos outros; numa palavra, da escravatura provieram os tumultos, as sedições, a pilhagem, as guerras e as carnificinas.

Nesta profunda abjeção da escravatura viviam muitos, e tanto mais miseravelmente quanto mais profundas eram as trevas em que estavam submergidos, quando na plenitude dos tempos determinados por conselho divino, resplandece do alto dos céus uma admirável luz, e a graça redentora de Cristo se derrama copiosamente sobre todos os homens; em virtude deste benefício os homens foram levantados do lodo e do opróbrio da escravidão, e todos, sem exceção, remidos da servidão do pecado e sublimados à nobilíssima dignidade de filhos de Deus.

A caridade e a escravidão

Em verdade, os Apóstolos, desde os primórdios da Igreja tiveram o cuidado de ensinar e de inculcar, entre outros preceitos de uma vida santíssima, este, que repetidas vezes fora ensinado por São Paulo aos regenerados pelas águas do Batismo: Todos vós sois filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo. Porque todos os que fostes batizados em Cristo, revestiste-vos de Cristo. Não há judeu, nem grego; não há servo, nem livre; não há macho, nem fêmea. Porque todos vós sois um em Jesus Cristo (Gal. III, 26, 28). Não há diferença de gentio e de judeu, de circuncisão e de prepúcio, de bárbaro e de seita, de servo e de livre; mas Cristo é tudo e em todos (Coloss. II, 11). Porque no mesmo espírito fomos batizados todos nós, para sermos um mesmo corpo, ou sejamos judeus, ou gentios ou servos, ou livres e todos temos bebido em um mesmo Espírito (I Cor, XII, 13).

Documentos são estes realmente áureos, honestíssimos e salutares, cuja eficácia não só redunda em honra e aumento do gênero humano, senão que também leva os homens, qualquer que seja a sua nacionalidade, a sua língua, a sua condição a unirem-se estreitamente pelos laços de uma caridade fraternal.

Essa caridade de Cristo, da qual estava inflamado o beatíssimo Paulo, tinha-a haurido no próprio Coração dAquele que misericordiosamente se tornou irmão de todos e cada um dos homens, e que os enobrecera a todos sem exceção de um só, da sua própria nobreza, de modo a torná-los partícipes da natureza divina. Por esta mesma caridade se foram formando e constituindo divinamente as gerações e floresceram dum modo sobremaneira admirável para esperança e felicidade pública, até que, no decurso dos tempos e dos acontecimentos e graças ao trabalho perseverante da Igreja, as nações se puderam constituir sob uma forma cristã e livre, renovada à semelhança da família.

Na verdade, desde o princípio a Igreja dedicou especial cuidado para que o povo cristão recebesse e observasse, como era de justiça, numa questão de tão súbito momento, a pura doutrina de Jesus Cristo e dos seus Apóstolos. Graças ao novo Adão, que é Jesus Cristo, subsiste a comunhão fraterna não só do homem com o homem, mas das nações entre si; e assim como todos tem uma só e mesma origem na ordem natural, assim também na ordem sobrenatural todos tem uma só e mesma origem de salvação e de fé; todos são igualmente chamados à adoção de um só Deus e Pai, porque todos foram remidos mediante o mesmo preço; todos são membros de um grande corpo; todos são admitidos a participar do divino banquete, a todos são oferecidos os benefícios da graça e os da vida imortal.

Postas estas coisas como base e fundamento, a Igreja, como terna mãe, esforçou-se em levar algum alívio ao pêso e ignomínia da vida servil, definiu e inculcou veementemente os direitos e deveres recíprocos dos senhores e dos servos, consoante foram afirmados nas epístolas dos Apóstolos.

Em verdade, os príncepes dos Apóstolos recomendavam aos escravos que tinham lucrado para Jesus Cristo: Sêde sujeitos em todo o temor, não só aos bons e modestos, mas ainda aos díscolos (I Petr. II, 18). Obedecei aos senhores carnais com temor e com tremor, na simplicidade de coração, como a Cristo; não servindo só aparentemente, como para agradar aos homens, mas como servos de Cristo, cumprindo com todo o coração a vontade de Deus, servindo com boa vontade, como ao Senhor, e não aos homens; sabendo de mais que cada um, servo ou livre, receberá de Deus a recompensa do bem que praticar (Ef. VI, 5-8).

O mesmo São Paulo diz a Timóteo: Os que vivem sob o jugo da escravidão tenham os seus senhores como dignos de toda honra; aqueles que tem por senhores fiéis não os desprezem, porque são fiéis muito amados e porque são irmãos, mas sirvam-nos ainda mais participantes dos benefícios. Eis o que deveis ensinar e exortar (I Tim. VI, 1-2). A Tito igualmente ordenou que ensinasse os servos a serem submissos aos seus senhores, que os não contradissessem nem enganassem, mas que em tudo mostrassem boa fé, a fim de que a boa doutrina do nosso Salvador resplandecesse em todos (Tit. II, 9-10).

Assim é que aqueles primeiros discípulos da fé Cristã muito bem compreenderam, que a igualdade fraternal dos homens em Cristo de nenhum modo devia apoucar ou fazer esquecer o respeito, a honra, a fidelidade e os demais deveres a que eram obrigados para com seus senhores; e daqui provieram grandes benefícios, que tornaram mais certos aqueles deveres, mais leve e suave o seu cumprimento, e mais frutuosos para merecerem a glória celeste.

Professavam, com efeito, o respeito para com os seus senhores, honravam-nos como homens revestidos da autoridade de Deus, origem de todo o poder, e não eram movidos a isto por medo dos castigos, pela astúcia ou pela ambição, mas pela consciência do seu dever, pelo zelo da sua caridade. Reciprocamente, as justas exortações do Apóstolo dirigiam-se aos senhores, a fim de que tratassem com caridade os servos em compensação dos seus bons serviços: E vós, senhores, procedei do mesmo modo para com eles; não os ameaceis sabendo que o vosso Senhor e o deles está nos céus, e que diante dEle não há acepções de pessoas (Ef. VI, 9).

Eram igualmente exortados a considerar que, assim como não é justo para o servo o queixar-se de sua sorte, pois que é liberto do Senhor, assim também não é permitido ao homem livre, porque é o servo do Senhor (I. Cor. VII, 22), ostentar altivez e mandar com orgulho. Por isso, foi ordenado aos senhores que reconhecessem a dignidade humana nos servos, e que os tratassem convenientemente, considerando-os não como sendo de natureza diferente, mas iguais a si pela religião e pela comunidade de servidão para com a majestade do Senhor comum.

Estas leis, tão justas e tão adaptadas a harmonizar as diversas partes da sociedade doméstica, foram praticadas pelos mesmos Apóstolos. Bem digno de notar-se é o exemplo de São Paulo quando escrevia com tanta benevolência em favor de Onesino, escravo fugitivo de Filemon, que enviou a este com terna recomendação: Recebe-o como muito querido do meu coração... não como um escravo, mas como um irmão querido segundo a carne e segundo o Senhor; porque se alguma coisa te prejudicou ou é teu devedor, imputa isto a mim (Ad Fil. 12-18).

A ação da Igreja

Por pouco que se compare um e outro modo de procedimento, o dos pagãos e o dos cristãos, para com os escravos, vê-se claramente que um era cruel e pernicioso, outro cheio de doçura e humanidade, e certamente que ninguém ousará negar à Igreja o mérito que lhe pertence por ter sido o instrumento duma tão grande indulgência. E tanto mais não negaremos à Igreja tal mérito, se atentamente se considerar com que doçura e com que prudência a Igreja extirpou e destruiu o abominável flagelo da escravatura. – Ela não quis, na verdade, proceder apressadamente à libertação dos escravos; o que certamente não poderia realizar senão de um modo tumultuoso que redundaria em detrimento da própria Igreja e da sociedade. Foi a razão porque, se na multidão de escravos que havia agregados aos fiéis, algum aparecia que, levado de esperança de liberdade, recorria à violência e à sedição, a Igreja reprovava e reprimia estes esforços condenáveis e empregava, por meio dos seus ministros, o remédio da paciência. Ensinava os escravos a persuadirem-se de que em virtude da luz da santa fé e do caráter cristão, eram sem dúvida muito superiores em dignidade aos senhores pagãos; mas que também eram mais estritamente obrigados, para com o próprio autor e fundador da fé, a não formarem desígnios hostis e a não faltarem em nada ao respeito e à obediência que lhes eram devidas; e desde o momento em que sabiam que eram chamados ao reino de Deus, dotados da liberdade de seus filhos e destinados a bens imortais, não se deviam afligir por causa da abjeção e dos males da vida caduca; mas, levantando os olhos ao céu, deviam consolar-se em suas santas resoluções.

Foi aos homens reduzidos à escravidão que São Paulo se dirigiu, quando escrevia: A graça consiste em suportar por dever de consciência para com Deus, aflições e até sofrer injustamente. É nisto com efeito que consiste a vossa vocação, porque Jesus Cristo sofreu por vós, deixando-vos o exemplo para que O imitásseis (1. Petr. II, 19-21).

Esta tão levantada glória da solicitude unida à moderação, e que faz admiravelmente resplandecer a divina virtude da Igreja, sobe de ponto atendendo à grandeza de alma eminente e invencível, que pode inspirar e sustentar entre tantos humildes escravos. Era um espetáculo admirável o exemplo de boas obras que davam aos seus senhores, e não menos admirável o exemplo de sua grande paciência em todos os seus trabalhos, sem que nunca fosse possível levá-los a preferir as ordens iníquas de seus senhores aos santos mandamentos de Deus, se bem que, com ânimo imperturbável, o rosto sereno, expiravam no meio dos mais atrozes tormentos.

Eusébio celebra a memória da invencível constância de uma virgem de Patames, na Arábia, que, resistindo à licença de um senhor impudico, afrontou corajosamente a morte e, com o preço do seu sangue, permaneceu fiel a Cristo. Podem admirar-se outros exemplos dados por escravos, que resistiam firmemente até à morte aos seus senhores, que atentavam contra a liberdade de sua alma e contra a fé que tinham jurado a Deus. Quanto a escravos cristãos que, por outros motivos, teriam resistido aos seus senhores ou tramado conspirações prejudiciais ao Estado, a história não cita um só exemplo.

Quando alvoreceu para a Igreja a era da paz e da tranquilidade, os Santos Padres expuseram com admirável sabedoria os ensinamentos apostólicos sobre a união fraternal dos corações entre os cristãos, e com igual caridade aplicaram estes ensinamentos em proveito dos escravos, esforçando-se em persuadi-los de que os senhores tinham sem dúvida legítimos direitos sobre o trabalho dos seus servos, mas que de nenhum modo lhes era permitido terem poder absoluto sobre a sua vida e tratá-los com sevícia cruel.

São Crisóstomo tornou-se notável entre os gregos, tratando-se muitas vezes deste ponto e afirmando com um coração e linguagem cheia de franqueza que a escravatura, segundo a antiga significação da palavra, já então havia sido suprimida por um insígne benefício da fé cristã, a ponto de que, entre os discípulos do Senhor, a mesma escravatura parecia e era de fato um nome sem realidade. Com efeito Jesus Cristo (e assim raciocina, em resumo, o Santo Doutor) desde o momento em que, pela sua soberana misericórdia para conosco, apagou a culpa original, curou também a corrupção que daquela falta resultara nas diversas classes da sociedade humana; portanto, assim como graças a Jesus Cristo, a morte perdeu os seus horrores e não é senão uma tranquila passagem à vida bem-aventurada, assim também a escravatura foi suprimida. Se o cristão não é escravo do pecado, não pode com razão chamar-se escravo.

Todos os que foram regenerados e adotados por Jesus Cristo são completamente irmãos; é desta nova procriação e desta adoção na família do mesmo Deus que deriva a nossa glória; é da verdade e não da nobreza de sangue que provém a nossa dignidade; e, para que a forma desta fraternidade evangélica produza um fruto mais abundante, é de toda a necessidade que, ainda mesmo nas relações exteriores da vida, se manifeste numa reciprocidade mútua de bons ofícios, de modo que os escravos sejam tratados como domésticos e membros da família, e que os chefes da família lhes forneçam, não só o que é necessário para o sustento da vida, mas também todos os socorros da religião. Enfim, a saudade singular que São Paulo envia a Filemon, desejando a graça e a paz à Igreja que está em sua casa (Ad. Phil., v.2), é um como ensinamento de que os senhores e os escravos, entre os quais existe a comunhão da fé, devem igualmente ter entre si a comunhão da caridade (Hom. XXIX, in Gen., or in Lazar., Hom. XIX, in ep. I ad Cor., Hom. 1 in ep. ad Phil.).

Entre os latinos podemos mencionar Santo Ambrósio que tão diligentemente investigou, a este propósito, as razões das relações sociais e que, melhor que ninguém, precisou segundo as leis cristãs o que pertence a uma e a outra categoria; e é desnecessário dizer que as suas doutrinas se harmonizam perfeitamente com as de Crisóstomo (De Abr., De Jacob et vita beata c. III de Patr. Joseph, c. IV, Exhort. virgin. c. I.).

Vê-se que tais ensinamentos eram de alta justiça e utilidade, e, o que é capital, eram inteira e fielmente observados onde quer que o cristianismo floresceu.

Se assim não fôra, Lactâncio, esse eminente defensor da religião, não ousaria certamente dizer, falando de alguma sorte como testemunha: Alguns fazem-nos esta censura: Não há entre vós pobres e ricos, escravos e senhores? Não há porventura diferenças entre vós? Não; e a razão porque uns aos outros damos o nome de irmãos, não é outra senão porque todos nos julgamos iguais; porque desde o momento em que consideramos todas as coisas humanas, não sob o ponto de vista corpóreo mas espiritual, ainda que a condição do corpo é diversa, todavia para nós não há escravos, mas nós os temos como irmãos e tais os chamamos com referência ao espírito, em quanto que somos co-escravos quanto à religião (Divin. Instit. I. v. c. 6.).

Solicitude da Igreja pelos escravos

A solicitude da Igreja na tutela dos escravos era de dia para dia mais entranhada, e, aproveitando toda a oportunidade a que (tal) solicitude tendia lograr com a devida prudência, que lhes fosse enfim concedida a liberdade, o que certamente lhes era também de grande proveito para a eterna salvação.

Os anais da história eclesiástica dão testemunho de que os fatos corresponderam a esta solicitude. Contribuíram poderosamente para isso nobres matronas, dignas por isso dos louvores de São Jerônimo. A este propósito conta: Sabíamos que, nas famílias cristãs ainda nas que não eram opulentas, não raras vezes sucedia que os escravos eram generosamente restituídos à liberdade. Ainda mais, São Clemente havia louvado muito antes o testemunho de caridade dado por alguns cristãos, os quais, oferecendo as suas pessoas em lugar de outras, se sujeitaram à escravidão para libertar os escravos que de outro modo não podiam libertar (1 Ef. ad Cor., c. 55.).

Eis porque a libertação dos escravos começa a realizar-se nos templos como um ato de piedade e a Igreja o institui como tal, recomendando aos fiéis que o pratiquem nos seus testamentos a título de ato agradável a Deus e digno a seus olhos de grande mérito e recompensas e daí vem estas palavras pelas quais era dado aos herdeiros a ordem de libertação dos escravos: pelo amor de Deus, para a salvação ou para o merecimento de minha alma. Nada se omitia que pudesse servir para resgate dos cativos: vendiam-se os bens dados a Deus; fundiram-se os vasos sagrados de ouro e prata; vendiam-se os ornamentos e as riquezas das basílicas, como por mais que de uma vez fizeram os Ambrósios, os Agostinhos, os Hilários, os Elói, os Patrícios e outros muitos personagens santos.

Grandes coisas foram feitas em favor dos escravos pelos Pontífices Romanos, os quais foram verdadeiramente os defensores dos fracos e os vingadores dos oprimidos. S. Gregório o Grande, deu a liberdade ao maior número de escravos que lhe foi possível, e no Concílio romano de 597 quis que fosse dada a liberdade aos que quisessem seguir a vida monástica.

Adriano I ensinou que os escravos podiam livremente contrair matrimônio, ainda mesmo contra a vontade dos seus senhores. Em 1167, foi abertamente intimado por Alexandre III ao rei mouro de Valença que não tornasse escravo nenhum cristão, porque ninguém é escravo por natureza e Deus a todos criou livres. Em 1198, Inocêncio III aprovou e confirmou a pedido dos fundadores João da Matha e Félix de Valois, a Ordem da Santíssima Trindade para redenção dos cristãos, que haviam caído em poder dos turcos.

Uma Ordem semelhante, a de Nossa Senhora das Mercês, foi aprovada por Honório III e depois por Gregório IX, Ordem que São Pedro Nolasco havia fundado com esta lei severa que os seus religiosos se entregassem à escravidão em lugar dos cristãos cativos, se tanto fosse necessário para os libertar. Gregório IX assegurou à liberdade um mais vasto asilo, decretando que era proibido vender escravos à Igreja, e exortou aos fiéis a que, em expiação das suas culpas, oferecessem os seus escravos a Deus e aos Santos.

Poderíamos a este propósito assinalar muitos outros benefícios prestados pela Igreja que constantemente defendeu, empregando para este fim a severidade das suas penas, os escravos contra os processos violentos e perniciosos ultrajes dos seus senhores; aos oprimidos pela violência oferecia o refúgio dos seus templos; ordenou que os libertos fossem admitidos a depor nos tribunais, repreendeu e corrigiu os que por meio de tramas condenáveis intentavam reduzir homens livres ao estado de escravidão. A Igreja favoreceu sempre a liberdade dos escravos que de qualquer modo lhe pertenciam, segundo os tempos e os lugares, quer estabelecendo que todo o laço de escravidão pudesse ser dissolvido pelo Bispo em favor dos que, durante um certo tempo, dessem provas de uma vida digna de louvor, que permitindo ao Bispo que declarasse livres os que espontaneamente lhe eram dedicados.

Deve atribuir-se também ao espírito de misericórdia e ao poder da Igreja o ser mitigada em favor dos escravos a severidade das leis civis; e as disposições suaves estabelecidas acerca de escravos, por São Gregório o Grande, foram adotadas pelos códigos das nações, graças sobretudo a Carlos Magno, que as introduziu nas suas Capitulares, do mesmo modo que ao depois Graciano no seu Decreto.

Enfim, no decurso das idades, os monumentos, as leis, as instituições, tem constantemente proclamado, por meio de testemunhos magníficos, a soberana caridade da Igreja para com os escravos, cuja condição humilhante a Igreja não só não deixou sem tutela, senão que também sempre procurou aliviar.

Assim bem digna é a Igreja Católica de ser honrada, exaltada e do reconhecimento de todos, e bem digna de que se proclame que bem mereceu da prosperidade dos povos, destruindo a escravatura por um benefício inapreciável de Cristo Redentor, e garantindo aos homens a verdadeira liberdade, fraternidade e igualdade.

No último quartel do século XV, quando o funesto flagelo da escravatura havia desaparecido das nações cristãs, os Estados se forçaram por se consolidarem sobre a base da liberdade evangélica e dilatar os limites de seu Império, a Sé Apostólica velava com o maior cuidado a fim de impedir que novamente surgisse a escravatura. Para isto olhou com especial cuidado para as regiões novamente descobertas da África, da Ásia e da América; espalhara-se, com efeito, a notícia de que os chefes das expedições ainda que cristãos, injustamente empregavam as suas armas e os seus talentos para estabelecer e impor a escravidão entre aquelas populações inofensivas. A áspera natureza do solo que tentavam subjugar, as riquezas metalíferas que tentavam explorar e que exigiam enormes trabalhos, levaram aquelas expedições a adotar planos absolutamente injustos e desumanos. Para isso começou-se a exercer o tráfico de escravos trazidos da Etiópia, tráfico a que se chamou escravatura dos negros e que largamente se propagou naquelas colônias.

Por um tal excesso praticou-se com os indígenas, geralmente designados sob o nome de Indianos, uma opressão semelhante à escravatura. Desde que foi conhecido com certeza este estado de coisas, Pio II dirigiu-se imediatamente à autoridade episcopal do lugar onde se exercia a escravatura, por uma carta na qual repreende e condena tão grave iniquidade. Pouco depois Leão X exerce, quanto possível, os seus bons ofícios e a sua autoridade junto aos reis de Portugal e Espanha a fim de que tomem a peito extirpar completamente um tal excesso, tão contrário à religião como à humanidade e à justiça. Todavia a calamidade da escravatura lançou profundas raízes, por causa da persistência de sua causa ignóbil, que era a inextinguível sêde do lucro. Então Paulo III, preocupado em sua caridade paternal com a condição dos escravos indianos, chegou ao extremo de se pronunciar públicamente sobre esta questão e por assim dizer em face de todas as nações, por decreto solene, estabelecendo que se devia reconhecer uma tríplice faculdade justa e própria a todos aqueles indígenas, a saber que cada um deles pudesse ser senhor de sua pessoa, que pudesse viver em sociedade segundo as suas leis e que pudessem adquirir e possuir bens. Confirmou isto mais amplamente por cartas ao Cardeal Arcebispo de Toledo, estabelecendo nelas que os que transgredissem aquele decreto seriam punidos com Interdicto e que era absolutamente reservado ao Pontífice Romano a faculdade de os absolver (Veritas ipsa, 2 Inn, 1859).

Em defesa da liberdade dos índios e dos negros

Com igual solicitude e constância, outros Pontífices como Urbano VIII e Bento XIV se mostraram valentes defensores da liberdade em favor dos indianos e dos negros e daqueles que ainda não tinham recebido a fé cristã. Foi ainda Pio VII que por ocasião do congresso realizado em Viena pelos príncipes confederados da Europa, chamou a sua atenção comum, entre outras coisas, para o tráfico dos negros, a fim de que fosse prontamente abolido, já em desuso em muitas localidades. Gregório XVI também admoestou gravemente aqueles que, sobre aquele ponto, violaram as leis e os deveres da humanidade; renovou os decretos e as penas impostas pela Sé Apostólica, e nada omitiu que pudesse levar as nações longínquas a imitar a mansidão da nações européias, a aborrecer e evitar a ignomínia e a crueldade da escravatura (In supremo Apostolus fastigio, 3 dec. 1857).

Sucedeu-Nos muito oportunamente o termos recebido as felicitações dos depositários supremos do poder público, por termos obtido, graças a perseverantes instâncias, que se fizesse justiça às reiteradas e justas reclamações da natureza e da religião.

Resta-nos todavia um outro cuidado, que vivamente nos preocupa com referência a um assunto semelhante e que reclama a Nossa solicitude. É que se o ignóbil tráfico de seres humanos cessou realmente sobre o mar, é largamente praticado na terra e com muita barbaridade, principalmente em certos lugares da África. Com efeito, desde o momento em que aos olhos dos maometanos, os etíopes e os habitantes de nações semelhantes são considerados apenas como alguma coisa superiores aos brutos, facilmente podemos conceber com amargura, com que pérfida e crueldade são tratados. Invadem subitamente, com a violência e processos dos ladrões, as tribos etíopes, que surpreendem de improviso; invadem as cidades, as vilas e os campos, devastando e assolando tudo, arrebanham, como prêsa fácil de conquistar, os homens, as mulheres e as crianças e conduzem-nos à viva força para os tráficos mais infames. É do Egito, de Zanzibar e também em parte do Sudão, como de outras tantas estações, que partem estas abomináveis expedições; obrigam a percorrer longos caminhos a homens carregados de cadeias, sustentados com uma alimentação miserável e feridos com horríveis açoites; os que não podem suportar tantas fadigas são mortos; os que sobrevivem são condenados a serem vendidos em massa e expostos diante de compradores cruéis e cínicos. Os assim vendidos viam-se expostos à deplorável separação de suas mulheres, de seus filhos, de seus pais, e o senhor, em cujo poder caíam, os sujeitava a uma escravidão duríssima e abominável, obrigando-os até a abraçarem a religião de Maomé. Com grande mágoa de nosso coração ouvimos ainda há pouco estas coisas dos próprios lábios daqueles que, com lágrimas nos olhos, foram testemunhas de uma tão infame ignomínia, e a sua narração é confirmada pelos modernos exploradores da África equatorial. Vê-se do seu testemunho que o número dos africanos vendidos deste modo, como se fossem um rebanho de bestas, é de quatrocentos mil, a metade dos quais pouco mais ou menos, depois de duros açoites durante um longo caminho, sucumbem miseravelmente, a ponto de que os viajantes, como é triste dizê-lo!, seguem os vestígios dos restos de tantas ossadas.

Quem não se comoverá em presença de tão grandes males? Quanto a Nós, Vigário de Cristo, o libertador e redentor amantíssimo de todos os homens, e que vivamente Nos alegramos com os méritos tão numerosos e gloriosos da Igreja para com todos os desgraçados, dificilmente podemos exprimir a comiseração da nossa alma para com aquelas populações desventuradas, a imensa caridade com que lhes abrimos os braços, e o quanto ardentemente desejamos procurar-lhes os socorros e alívios possíveis, a fim de que libertados da escravidão dos homens e da superstição, lhes seja finalmente concedido servirem o único e verdadeiro Deus, sob o jugo suavíssimo de Cristo, e serem admitidos conosco à herança divina. Praza a Deus que todos os que se acham investidos do poder e da autoridade, queiram salvaguardar os direitos das gentes e da humanidade, ou que sinceramente se dediquem ao progresso da religião, se esforcem todos ardentemente sob as Nossas instâncias e exortações, a reprimirem, impedirem e abolirem aquele tráfico, o mais ignóbil e infame que se pode imaginar!

Graças a um movimento mais acentuado do talento e da atividade, abrem-se novos caminhos para as regiões africanas e estabelecem-se novas relações comerciais, e os homens dedicados ao apostolado trabalham, podendo assim dedicarem-se melhor à salvação e libertação dos escravos. E não conseguirão feliz resultado nos seus trabalhos senão enquanto, fortalecidos pela graça, se consagrarem totalmente à propagação da Nossa santa fé e trabalharem cada vez com mais adorno no seu desenvolvimento, porque é fruto insígne desta fé o fomentar e favorecer admiravelmente a liberdade com a qual fomos libertados por Cristo (Galat. IV, 31.). Para este fim Nós os exortamos a considerar, como num espelho de virtude apostólica, a vida e obras de Pedro Claver, a quem ultimamente decretamos as honras do altar; a admirável constância com que totalmente se consagrou, durante 40 anos consecutivos, ao ministério daquelas desgraçadas multidões de escravos negros, fez com que fosse considerado o apóstolo daqueles de quem ele mesmo se dizia e era assíduo servo. Se os missionários copiarem e reproduzirem em si a caridade e a paciência deste apóstolo, tornar-se-ão seguramente dignos ministros da salvação, consoladores mensageiros da paz, e ser-lhes-á dado, mediante Deus, converter a desolação, a barbárie, a ferocidade, em feliz prosperidade da religião e da civilização.

A abolição no Brasil

Sentimos o ardente desejo de convergir para vós, Veneráveis Irmãos, o Nosso pensamento e as presentes letras, para de novo vos manifestar e compartilhar convosco a grande alegria que experimentamos por causa das resoluções publicamente adotadas no Império do Brasil relativamente à escravatura. Com efeito, desde o momento em que a lei determinou que todos os que ainda se achavam na condição de escravos fossem imediatamente admitidos à classe e direitos de homens livres, não somente isto Nos pareceu em si bom e salutar, mas ainda vimos animada e confirmada a esperança de fatos que no futuro muito hão de influir nos interesses civis e religiosos. Deste modo, o nome do Império do Brasil será justamente celebrado com louvor em todas as nações civilizadas e ao mesmo tempo o nome do augusto Imperador, a quem se atribui este belo pensamento, “que o seu maior desejo é ver prontamente abolidos nos seus Estados qualquer vestígio de escravatura”.

Mas entretanto que se cumpram aquelas prescrições da lei, Nós vos pedimos que vos dediqueis ativamente com toda a vossa autoridade, e que consagreis os vossos cuidados na execução daquela obra que deve superar não pequenas dificuldades. A vós pertence fazer com que os senhores e escravos se concertem entre si e com toda a boa fé, que não seja violada a clemência e a justiça, que todas as transações sejam legítimas e cristãmente resolvidas. É muito para desejar que a supressão e a abolição da escravatura, de todos querida, se realize felizmente, sem o menor detrimento do direito divino e humano, sem transtorno público, e de modo a garantir a utilidade estável dos escravos.

A cada um destes, bem como aos que já estão livres, como aos que vierem a sê-lo, dirigimos com zelo pastoral e coração de pai alguns ensinamentos salutares, tirados dos oráculos do grande Apóstolo das gentes. Guardem religiosamente a lembrança e o sentimento de gratidão, e manifestem-no com cuidado para com aqueles a cujos cuidados devem o ter recuperado a liberdade. Não se tornem nunca indignos de um tão grande benefício, e não confundam nunca a liberdade com a licença das paixões; pelo contrário usem a liberdade como convém a cidadãos honestos, para o trabalho de uma vida ativa, para o bem da família e do Estado. Cumpram assiduamente, não tanto pelo temor como pelo espírito de religião, o dever de respeitar e honrar a majestade dos príncipes, de obedecer aos magistrados, de observar as leis; abstenham-se de invejar as riquezas e a superioridade de outrem, porque é muito para lamentar que um grande número dentre os mais pobres se deixem dominar daquela inveja, que é a fonte abundante de muitas obras de iniquidade, contrárias à segurança e à paz da ordem restabelecida. Contentes antes com a sua sorte e com os seus bens, nada tenham tanto a peito, e nada desejem tanto como os bens celestes para alcançar os quais foram criados e remidos por Jesus Cristo; que sejam animados de piedade para com Deus, seu Senhor e Libertador, que O amem com todas as suas forças, que observem os seus mandamentos com toda a fidelidade. Que se gloriem de serem filhos da sua Esposa, a Santa Igreja, que se esforcem por serem dignos dela e que correspondam tanto quanto possam ao seu amor amando-a.

Insisti, Veneráveis Irmãos, para que os libertos sejam profundamente imbuídos destes ensinamentos, a fim de que, como Nós o desejamos convosco e com todos os bons, a religião assegure para sempre em toda a extensão do Império os frutos da liberdade que é outorgada.

A fim de que tudo seja realizado, pedimos e imploramos de Deus abundantes graças, mediante a intercessão maternal da Virgem Imaculada. Como penhor dos favores celestes e em testemunho da Nossa paternal benevolência, Nós concedemos afetuosamente a benção apostólica a vós, Veneráveis Irmãos, ao clero e a todo o povo.

Dada em Roma, junto de São Pedro, aos 5 de Maio de 1888, undécimo ano do Nosso Pontificado.

LEÃO XIII, PAPA
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sábado, 10 de maio de 2025

FRENTE POLISÁRIO 52 ANOS * Jorge Alejandro Suárez Saponaro/AR

FRENTE POLISÁRIO 52 ANOS 
Jorge Alejandro Suárez Saponaro

Em 10 de maio de 1973, nasceu a Frente Popular de Libertação de Saguía El Hamra e Río de Oro ou Frente Polisário .

A situação dos saarauis era incerta, dada a pressão do Marrocos e da Mauritânia sobre reivindicações territoriais e a abordagem ambígua e até contraditória da Espanha sobre o assunto.

 Cinquenta e dois anos se passaram e, apesar das condições adversas e da indiferença de grande parte da comunidade internacional, a Frente Polisário continua existindo, mantendo firmemente sua reivindicação de reconhecimento da liberdade do povo saarauí da ocupação.

O 52º aniversário da Frente Polisário encontra esse movimento de libertação nacional, após trinta anos de "paz, não guerra" desde o cessar-fogo assinado com o Marrocos, sob os auspícios das Nações Unidas, em 1991, mais uma vez se envolvendo em uma campanha militar de baixa intensidade como uma tentativa de aumentar a visibilidade global do conflito. Os chamados países democráticos, como a Espanha — a potência administradora de jure —, os Estados Unidos e a França, foram fundamentais na ocupação marroquina, que foi caracterizada por violações sistemáticas dos direitos humanos.

O veto francês, a indiferença dos Estados Unidos e o conflito geopolítico com a Rússia e a China impedem que o Conselho de Segurança das Nações Unidas não só estabeleça poderes de monitoramento de direitos humanos para a MINURSO , mas também de desempenhar um papel mais relevante desde os chamados incidentes de Guerguerat ocorridos em novembro de 2020, onde Marrocos violou claramente o cessar-fogo e os acordos de 1991.

A Frente Polisário , devido a uma série de fatores externos, não conseguiu desbloquear o processo de negociação com Rabat. O governo marroquino, durante o primeiro governo Trump, teve um sucesso real, de natureza mais política do que real, quando tornou o reconhecimento da soberania marroquina sobre as áreas ocupadas uma condição em troca do restabelecimento das relações com o Estado de Israel .

O Makhzen, apesar de não ter conseguido que nenhum país reconhecesse sua ocupação, fez progressos para legitimá-la. Uma estratégia inteligente de estabelecer consulados de vários países africanos nas zonas ocupadas, em aberta violação do direito internacional. Rabat mostrou-se uma “aliada” fiel à causa ocidental em África, o que lhe permitiu financiar um ambicioso programa militar com dinheiro das petromonarquias do Golfo . Na "frente espanhola", a Polisário foi abertamente traída por setores políticos que teoricamente poderiam ser simpáticos.

O presidente Pedro Sánchez serviu aos interesses marroquinos em um verdadeiro ato de traição ao seu próprio país. Os incidentes de 2021, em Melilla , com ondas de imigrantes, numa espécie de invasão pacífica. Ao mesmo tempo, o governo marroquino não hesitou em dar a conhecer os seus alegados direitos sobre os territórios soberanos espanhóis, que incluem as cidades de Melilla e Ceuta . A Espanha optou por uma política de apaziguamento, que incluiu a famosa "carta de traição" divulgada pela mídia espanhola, pela qual Madri aceitou o plano de autonomia como solução para o conflito no Saara Ocidental.

A guerra, travada pelas forças saharauis, dissipou as tensões internas na República Saharaui . Anos de frustração foram uma fonte de problemas, e a liderança da Frente Polisário, nas mãos de um "falcão" como Brahim Ghali , decidiu pegar em armas. Em última análise, Marrocos, ao invadir a zona-tampão, violou o Acordo Militar n.º 1 e quebrou o cessar-fogo, o que se somou à recusa em seguir o roteiro estabelecido no Plano de Resolução de 1991. O distanciamento e o aumento da competição geopolítica entre Argélia e Marrocos criaram as condições ideais para a mobilização das forças militares saarauís.

O XVI Congresso , realizado de 13 a 17 de janeiro de 2023, sob o lema: "intensificar a luta armada para expulsar o invasor e conquistar a soberania completa" , destacou os objetivos nacionais do povo saharaui, nesta fase da sua história, sob a liderança da Frente Polisário . O caminho armado é resultado de um intenso debate estratégico que já dura vários anos. O cenário global de intensa competição entre os Estados Unidos e seus aliados, versus Rússia e China, está paralisando as Nações Unidas.

Os saharauis também foram vítimas da “realpolitik” . Enquanto Marrocos garantir o fornecimento de fosfatos e não afetar os interesses ocidentais no Norte da África, ele terá carta branca para abusar dos saarauis. A Frente Polisário reconheceu esta situação, destacando o valor de dois atores regionais: Mauritânia e Argélia.

No caso do primeiro, a pressão de Rabat é intensa, mas os setores nacionalistas continuam sendo aliados em potencial da Polisário, dado o medo de que o estado mauritano seja satélite de Rabat. A travessia ilegal de Guerguerat está ligada a essa manobra, bem como à hábil política de "soft power" do rei marroquino na região. A Argélia é um ator importante que, graças à guerra na Ucrânia , se tornou um elemento-chave como fonte de energia alternativa ao gás e petróleo russos para os europeus.

O último Congresso da Polisário aprovou uma estratégia nacional para mobilizar todos os recursos nacionais para enfrentar a campanha militar. Do ponto de vista interno, os saharauis mantêm, sem dúvida, uma forte unidade graças a um discurso nacionalista, apesar de certas manobras promovidas pelo Marrocos por setores dissidentes da Polisário sediados na Mauritânia, que acabaram por não dar em nada. No plano internacional, a Frente conta com o apoio da União Africana , especialmente nos países de língua inglesa, liderados pela África do Sul.

Marrocos não reconhece abertamente a existência de uma guerra , mantendo uma estratégia defensiva com respostas limitadas, especialmente através do uso de veículos aéreos não tripulados, ou drones, dos quais possui um arsenal significativo graças às compras da China, Israel e Turquia.

Muitos ataques resultaram em mortes de civis, provocando protestos na Mauritânia e especialmente na Argélia. Embora o tom do discurso não tenha ido além do exagero, a possibilidade de conflito armado continua descartada por enquanto. O grande desafio é dar visibilidade ao conflito e mobilizar a opinião pública internacional. Não menos importante é o recente pedido do Conselho da Europa ao governo espanhol para suspender a cooperação fronteiriça com o Marrocos, após graves incidentes entre forças de segurança marroquinas e imigrantes que tentaram cruzar a cerca de segurança em junho de 2022. Este foi um escândalo internacional. A reação da União Europeia foi bastante tímida.

A liderança da Polisário mantém seu compromisso de manter um conflito de escala limitada, em um contexto em que o Ocidente está perdendo terreno na África e onde o papel da Argélia como potência do Magrebe é fortalecido por importantes acordos energéticos. Até a França observou de perto o crescente poder de Argel. Os saarauis estão aproveitando esta situação para obter maior apoio político e material para encontrar algum tipo de solução para o conflito.

No contexto de uma situação verdadeiramente adversa, a liderança da Frente Polisário conseguiu manter a sua unidade, os mecanismos de consenso através dos Congressos e impediu com sucesso que o vírus do islamismo radical afetasse os saarauis, ao contrário de outros países da região, como o Mali ou a zona do Saara Sahel , que têm de sofrer as ações de poderosos grupos terroristas que causaram milhares de deslocados. A República Saaraui conseguiu sobreviver num período sem paz, sem guerra, de 1991 a 2020.

Tentativas de obter novo reconhecimento têm sido muito limitadas desde a década de 1990. A América Latina , que ofereceu um espaço favorável para isso, teve resultados apenas parciais, mas com marcos muito relevantes como a Colômbia, com o presidente Petro, que estabeleceu relações diplomáticas entre seu país e a República Saaraui.

No Uruguai, apesar da pressão do Marrocos , uma embaixada saarauí ainda permanece. A estratégia de obtenção do reconhecimento internacional da existência de um Estado saarauí não teve definições claras.

A pressão do regime marroquino – que este correspondente vivenciou em primeira mão em 2017 – sobre os governos para que não reconheçam a República Saharaui , ou pelo menos não recebam os Delegados da Frente Polisário , tem sido muito intensa na América Latina . A abertura dos políticos locais à corrupção ajuda o regime de Makhzen a "convencer" as pessoas a não reconhecer a República Saaraui e até mesmo a ganhar apoio para sua posição anexacionista, ao mesmo tempo em que oculta os crimes contra a humanidade que cometeu desde a invasão de 1975.

O contexto geopolítico da região do Magrebe , e outras razões, levaram a Frente Polisário a tomar medidas armadas. Não há dúvida de que a cumplicidade do Ocidente, especialmente dos Estados Unidos, da Espanha, da França e do resto da União Europeia, contribuiu de uma forma ou de outra para apoiar a ocupação marroquina.

O seu silêncio é cúmplice e está sujeito a um verdadeiro duplo padrão, dado que a invasão marroquina foi condenada na Assembleia Geral das Nações Unidas e os tribunais da União Europeia têm sido contundentes quanto ao estatuto jurídico do Saara Ocidental.

Os políticos espanhóis, com sua indiferença à Frente Polisário, apenas prejudicam os interesses da Espanha ao serem cooperativos com seu adversário geopolítico, Marrocos, e cúmplices na violação dos direitos humanos nos territórios ocupados.

Acreditamos que, no futuro, o grande desafio da Frente será retomar o caminho da obtenção de um novo reconhecimento da República Saharaui como Estado . O papel das Nações Unidas nesse processo ficou completamente obscuro e, dado o cenário internacional, a Polisário terá que repensar caminhos alternativos para substituir o roteiro do Plano de Resolução de 1991.

NO TE OLVIDES DEL SAHARA OCCIDENTAL

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